Nossas iniciativas para enfrentar a pandemia

A pandemia da COVID-19 tem um impacto inédito e devastador, já que, até então, a humanidade não havia enfrentado uma doença que pudesse se espalhar tão ampla e rapidamente, levando consigo tantas vidas. O mundo, o Brasil, os povos indígenas e o povo Mẽbêngôkre-Kayapó foram e continuam sendo impactados por uma ameaça que traz inúmeros desafios. Contudo, esta realidade não é exatamente uma novidade para os povos indígenas que, sobreviventes históricos de uma série de epidemias, continuam determinados a desenvolver uma série de estratégias para proteger a vida e enfrentar esses desafios.

O número de casos de COVID-19 aumentou vertiginosamente no Brasil, atingindo nos últimos dias repetidamente seu recorde diário. Diante da ineficiente resposta por parte do governo federal, o enfrentamento à pandemia exigiu, desde o início da disseminação desta doença em território nacional, diversas frentes de mobilização e articulação da saúde pública e privada, dos estados, prefeituras, municípios e da sociedade de modo geral. Até o dia 3 de março de 2021 já haviam sido contabilizados pelo Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena 50114 casos confirmados e o falecimento de 992 indígenas de 163 povos diferentes. O Pará é o quinto estado com maior número de mortes de indígenas, depois do Amazonas, MatoGrosso e Mato Grosso do Sul, e contabilizava, até 9 de março, o falecimento de 101 indígenas. No estado do Pará os Mẽbêngôkre-Kayapó estão, juntos com os Munduruku, entre os mais severamente afetados com 10 e 15 e mortes respectivamente. Entre as Terras Indígenas habitadas pelo povo Mẽbêngôkre-Kayapó, a TI Kayapó é a mais severamente impactada, contando com a maior parte dos óbitos.

Maial Paiakan em campanha por uma estratégia que concilie a medicina científica e tradicional.

De modo geral, em parte devido ao seu perfil epidemiológico, considera-se que as populações indígenas apresentam maior vulnerabilidade à doenças infecto-contagiosas, o que estaria relacionado aos hábitos de convívio comunitário, o que facilita o contágio e dificultaria a adoção de medidas de prevenção recomendadas, como o distanciamento social. Por outro lado, a precariedade no acesso a serviços de saúde de qualidade, as dificuldades logísticas para acessar os centros de saúde e a carência de leitos com UTI nos municípios mais distantes dos grandes centros urbanos, são condições que exigem a adoção de medidas diferenciadas, em diversas frentes, para preservar ao máximo a vida de todos nessa situação de maior vulnerabilidade.

A Associação Floresta Protegida - AFP optou por adotar uma série de estratégias complementares para prevenir, enfrentar e reduzir os danos da pandemia. Para poder garantir as necessidades alimentares das comunidades durante o isolamento recomendado pela OMS no início da pandemia, por recomendação do Ministério Público e em parceria com a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, contribuímos com a distribuição de mais de 80 toneladas de alimentos e itens de higiene, beneficiando com isso 1600 famílias.

Primeira rodada de campo com entrega de cerca de 40 toneladas de alimentos e insumos. Foto: Edilson Gondim

Procurando salvar vidas através da promoção de estratégias de prevenção, a AFP investiu na produção de materiais de comunicação voltados à sensibilização do povo Mẽbêngôkre-Kayapó sobre a Covid-19, o que é essa nova doença e como ela se comporta, assim como quais são as medidas preventivas de higiene e cuidados que devem ser adotadas para reduzir as chances de sua transmissão. Para a produção de materiais qualificados, a AFP contou com o apoio dos médicos especialistas em saúde indígena da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Douglas Rodrigues e da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca - FIOCRUZ, Ana Lúcia Pontes. Com isso procurou-se contribuir para evitar a superlotação e colapso no atendimento do sistema público de saúde nos municípios circundantes aos territórios dos Mẽbêngôkre-Kayapó e para salvar vidas.

Na segunda quinzena de março de 2020, a AFP publicou uma cartilha com orientações para cuidar da saúde das comunidades Mẽbêngôkre-Kayapó diante do Coronavírus, material digital que foi compartilhado com diversas comunidades Mẽbêngôkre-Kayapó ó via Whatsapp. Entre final de março e início de abril de 2020a AFP elaborou dois boletins de áudio, um em Mẽbêngôkre-Kayapó e outro em português, alertando sobre a ameaça deste novo vírus e compartilhando recomendações para a proteção das comunidades. A AFP, em articulação com a Rede Xingu+, apoiou a publicação de informações sobre a evolução dos casos de Covid-19 na bacia do Xingu. Realizamos uma série de boletins informativos de áudio em Mẽbêngôkre e português. Também elaboramos cards ilustrativos em Mẽbêngôkre ilustrando diferentes recomendações para prevenção e enfrentamento desta doença. Com o objetivo de melhorar a comunicação no contexto da intensificação do isolamento das comunidades Kayapó associadas, a AFP, com apoio da Rede Xingu+ e da Sitawi, instalou internet em cinco aldeias localizadas nos rios Riozinho e Xingu, incluindo as três aldeias mais populosas.

Instalação de internet. Foto: Joel Mendes

Neste momento de crise, a conexão do povo Mẽbêngôkre-Kayapó com suas tradições se fortaleceu através da valorização dos conhecimentos dos wajangá (pajés) e ampla adoção de métodos tradicionais de prevenção e cura. Sobre isso, ouça a palavra do wajanga Kenmy Kayapó da aldeia Mojkarakô, no registro do cineasta Bepunu Kayapó do Coletivo Beture de Cineastas Mẽbêngôkre.

De forma a fortalecer o enfrentamento à COVID-19 nas comunidades Kayapó, a AFP adotou, em parceria com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Kayapó do Pará, a estratégia de implementação de Unidades de Atenção Primária Indígena (UAPI's) em aldeias estratégicas, recomendada pelos Expedicionários da Saúde (EDS), organização sem fins lucrativos criada por médicos voluntários com mais de 15 anos de experiência levando medicina especializada para populações indígenas em áreas remotas na Amazônia. As UAPI's são estruturas montadas para viabilizar o uso de concentradores de oxigênio com foco no tratamento de pacientes com quadros de gravidade intermediária, reduzindo o número de casos que evoluem para quadros mais graves e, com isso, contribuindo para salvar vidas e reduzir consideravelmente os impactos da doença nas comunidades. A iniciativa, viabilizada com o apoio financeiro da Amazon Watch e de nossa parceira de longa data, a Conservação Internacional, foi desenvolvida com o fundamental apoio técnico e logístico dos EDS, incluindo a capacitação dos profissionais do DSEI para operacionalização das UAPI’s.

A Cooperativa Kayapó de Produtos da Floresta – COOBÂ-Y teve que suspender a compra de castanha e cumarú para não colocar a vida das pessoas em risco e contribuir com o isolamento das comunidades nos primeiros meses de enfrentamento desta doença nos territórios Kayapó. A AFP e a CooBaY buscaram formas de compensar as comunidades Kayapó dos impactos que o isolamento preventivo dos municípios do entorno e as restrições do acesso aos territórios Kayapó tiveram na geração de renda. Com o apoio do Instituto Grupo Pão de Açúcar foi possível remunerar famílias Mẽbêngôkre-Kayapó que não puderam escoar suas produções de castanha-da-Amazônia coletadas na safra 2019-2020, assim como apoiar a produção agroextrativista. Em articulação com o Ministério Público do Trabalho de Marabá também foram fortalecidas as cadeias produtivas do agroextrativismo, incluindo os sistemas agrícolas tradicionais, com a aquisição e distribuição de ferramentas, contribuindo para a soberania alimentar e nutricional.

Agora, com o surgimento da vacinação, entramos em uma nova etapa de maior esperança. Entretanto, infelizmente diante de um governo que se posiciona de uma forma completamente equivocada, sem realizar uma campanha de vacinação apropriada para reforçar sua importância, associado à intensa disseminação criminosa de fake news anti-vacina em grupos de whatsapp, muitas das quais produzidas por grupos proselitistas religiosos, criaram uma forte resistência à vacinação na população brasileira e nos mẽbêngôkre. Diante disso, a AFP assume novamente seu dever de levar informações qualificadas aos Mẽbêngôkre-Kayapó, articulando-se com especialistas, para esclarecer sobre a eficácia, a segurança e a importância das vacinas como estratégia fundamental para salvar vidas e superar essa pandemia.

A Associação Floresta Protegida agradece a todos os parceiros que contribuíram nas diferentes estratégias adotadas para enfrentar a pandemia e manifesta seus profundos sentimentos a todas as famílias Mẽbêngôkre-Kayapó que perderam seus entes queridos.

Leia aqui as Orientações da Associação Floresta Protegida para cuidar da saúde das comunidades Mẽbêngôkre-Kayapó diante do Coronavírus:

https://florestaprotegida.org.br/api/uploads/associacao-floresta-protegida/pdfs/afp_coronavirus.pdf

Ouça aqui o programa da AFP em português com Maial Paiakan Kaiapó:

https://florestaprotegida.org.br/biblioteca/6039b35e5dd16e644fcbb4d8

Ouça aqui o programa da AFP em Mẽbêngôkre-Kayapó com Bepdjà Kayapó:

https://florestaprotegida.org.br/biblioteca/6040057e5dd16e644fcbb4d9

Veja aqui os mapas informativos que informam sobre a evolução dos casos da pandemia na região da bacia do Xingu:

https://www.xingumais.org.br/tag/5545?name=Covid-19%20no%20Xingu

Veja aqui os cards ilustrados informativos em Mẽbêngôkre da Rede Xingu+:

https://florestaprotegida.org.br/biblioteca/604277865dd16e644fcbb4e5

Ouça aqui os boletins de audio informativos Mẽbêngôkre realizados com a Rede Xingu+:

Primeiro Audio Informativo Mẽbêngôkre da Rede Xingu+ :