Posse de Ô-é Paiakan Kaiapó e Ire-ô Kayapó

O Povo Mẽbêngôkre ganhou mais duas lideranças, e uma delas, mulher jovem, também foi empossada como Cacica.



No contexto político tradicional do povo Mẽbêngôkre (conhecido também como Kayapó) a figura da liderança não se restringe à atuação dos caciques de cada aldeia, mas apóia os caciques nas relações diplomáticas que permeiam a luta pela defesa de direitos em diferentes instâncias, tanto as tradicionais  como as institucionais. Uma liderança é porta- voz e representante do povo, com autonomia em sua localidade, atua na interlocução do universo comunitário e tradicional com o contexto regional, macro-regional, nacional e internacional. Um dos marcos importantes para a formação desta figura foi a participação de lideranças Mẽbêngôkre na defesa de seus direitos durante a década de 1980 em aliança com outros povos indígenas do estado do Mato Grosso e do Pará, assim como sua fundamental participação da Constituinte de 1988.



Exemplo disso foi também a cerimônia ocorrida no último 30 de Maio de 2021 na aldeia Mojkarakô que empossou Ô-é Paiakan Kaiapó e Ire-ô Kayapó como as mais recentes lideranças do Povo Mẽbêngôkre do sul do Pará.  Além de realizar uma homenagem de despedida para o recentemente falecido Paulinho Paiakan,  Ô-é, sua filha mais velha, também foi empossada como cacica da aldeia Krenhedjã, localizada no Rio Vermelho. Uma das primeiras cacicas do povo Mẽbêngôkre, seguirá a tradição e a linhagem de seu pai Paulinho Paiakan, liderança histórica que criou suas filhas para seguir seu legado de luta em defesa dos direitos de seu povo e do meio ambiente. 


Ô-é sendo preparada para a cerimônia.



Estiveram presentes na Cerimônia de Posse representantes das aldeias localizadas no Riozinho da TI Kayapó, da TI Las Casas, assim como os do Rio Xingu e os Mekragnotire. A cerimônia contou ainda com a presença de representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB e do grupo Mulheres Indígenas da Articulação  Nacional das Mulheres Indigenas Guerreiras da Ancestralidade – ANMIGA: Sônia Guajajara, Puyr Tembé, Daiara Tukano, Putyra Baré e o coordenador do DSEI Kayapó do Sul do Pará. Ropni Metuktire e Tsitsina Xavante não puderam ir mas se fizeram presentes com os vídeos que gravaram falando em palavras de incentivo que foram exibidos para todos assistirem. 


Tuire Kayapó e Sônia Guajajara.


Durante a abertura e a dança da cerimônia,  Ô-é foi honrada com as palavras e a força de Tuire Kayapó e Sônia Guajajara, que dançaram ao seu lado. Sônia discursou sobre a tremenda importância da posse de uma mulher, cacica e jovem neste contexto em que o protagonismo das mulheres e da juventude merece ser incentivado:” No momento em que acirram os conflitos com as primeiras brasileiras, é importante esse protagonismo. Que a força dos ancestrais esteja sempre contigo," disse a Secretaria-Executiva da APIB. 



Ire-ô Kayapó também foi eleito liderança e tem como missão agir em parceria com o O-ê, falando com os homens mais velhos de sua geração, para que assim a presença da liderança e  a voz chegue em todos. Uma das missões da liderança é atuar na defesa dos direitos indígenas, defesa da terra, florestas e rios da TI Kayapó, na reivindicação de implementação de políticas públicas relativas à saúde indígena, educação indígena e demais programas sociais voltados aos povos indígenas e ao meio ambiente. 


Ire-ô Kayapó discursando.



Ô-é conta que na cultura de seu povo já existe todo um processo e uma trajetória que uma pessoa deve seguir para se tornar liderança. Assim como  no caso de seu pai, aquele que se torna liderança (benadjwyrj) é orientado pelos mais velhos e geralmente passa pela cerimônia tradicional de nominação Bemp, que é o nome de um peixe, que confere grande prestígio para aqueles meninos que o recebem desde pequenos e acompanha uma vida de responsabilidades.  Esse processo de nominação se mistura com outro de formação em que os mais velhos ensinam aos jovens como agir e como ser lideranças, sobre a importância do respeito mútuo entre o povo e as lideranças e, e a  importância de proteger o território, os rios, a floresta, de cuidar dessa terra que é de todos os Mẽbêngôkre. Tradicionalmente os homens já têm um caminho estabelecido para tornar-se, assim, benadjwyrj.


Veja o filme do de Simone Giovine do Coletivo Beture que mostra o discurso de posse de Ô-é:




Ô-é, de 37 anos, é a mais jovem de um novo grupo de lideranças femininas, um fenômeno novo entre  o povo, mas que já conta com  cacicas como Nhakaê de Mojkarakô e Ngreikamoro de A'ukre. Além da orientação das cacicas, a grande liderança Tuire Kayapó acompanha de perto sua jornada. Em sua caminhada, Ô-é contou com os ensinamentos de seu avô Tikirí, que fora cacique e fundador da aldeia A'ukre, do seu outro avô Kuneikaiti, de Kubeí e especialmente do seu pai, Paulinho Paiakan. Antigamente os benadjwyry eram empossados dentro do mato, hoje em dia é dentro da aldeia, recebendo uma faixa.


Seguindo o conselho de Nhakaê e seu marido, assim como do mebengêt Dukre, Ô-é discursou na casa do guerreiro sobre as tarefas que terá de seguir desse momento em diante, falou de sua missão de defender a terra, os rios, a floresta e seu povo. O cacique Panhtuk da aldeia Kubejkakrej foi um dos mestres de cerimônia e discursou para orientar Ô-é e Ire-ô sobre o papel de uma liderança, e sobre a importância da presença das lideranças no espaço da aldeia para apaziguar conflitos internos, do respeito e do entendimento, assim como da firmeza de estar lutando e segurando o bem maior de todos, que é o território e povo. 




Nascida na aldeia A’ukre, mãe de duas filhas, formada em serviço social e mestranda em antropologia na Universidade Federal do Pará - UFPA, Ô-é já trabalhou na saúde indígena, na Associação Floresta Protegida e atualmente é presidente do recém criado Instituto Paiakan onde pretende realizar o sonho do seu pai. Secretaria da UMIAB - União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, também é membro da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), do grupo Mulheres Indígenas da Articulação  Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), e da Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA)..


Agora Ô-é continua sua jornada e você pode apoiá-la. A atividade deixou dívidas relativas à questões de logística que precisam ser sanadas e pode-se doar qualquer valor nesta vakinha:


https://www.vakinha.com.br/vaquinha/homenagem-a-paulinho-paiakan-e-posse-de-oe-paiakan-kaiapo