Intercâmbio entre o Povo Mẽbêngôkre e Ashaninka

Foi realizado entre os dias 28 de fevereiro a 8 de março de 2023 o Intercâmbio do povo Mẽbêngôkre e suas organizações representativas, Associação Floresta Protegida, Instituto Raoni e Instituto Kabu, com o povo Ashaninka e sua organização APIWTXA. A delegação Mẽbêngôkre se deslocou por mais de 2000 km para chegar a aldeia Apiwtxa, na terra indígena Kampa do Rio Amônia, localizada no estado do Acre. O objetivo do intercâmbio é promover a troca de experiências e conhecimentos entre os povos Mẽbêngôkre e Ashaninka e suas organizações nas temáticas de : Gestão Territorial, Soberania Alimentar e Nutricional, e Cadeias Produtivas destinadas à geração de renda.


Foto de Simone Giovine


Na manhã do primeiro dia as atividades tiveram seu início com a recepção de todos os participantes, assim como uma roda de apresentações institucionais e de lideranças de cada povo e participantes do intercâmbio. Foi discutido sobre o histórico do tema agroflorestal na Apiwtxa e realizadas trocas temáticas nas áreas de educação, governança do território, gestão ambiental e ameaças. Durante a tarde foi realizada uma caminhada de apresentação dos espaços da Aldeia Apiwtxa. No dia seguinte pela manhã e tarde foi discutido sobre sistemas agroflorestais e seu aspecto produtivo, tal como produção de mudas, viveiros, plantio, manejo, roçados, colheita e beneficiamento. No mesmo sentido, discutiu-se sobre governança e arranjos comunitários do trabalho agroflorestal.



Bepunu Kayapó, cacique da aldeia Mojkarakô e cineasta do Coletivo Beture de cineastas Mẽbêngôkre, participou da experiência e saiu de lá com um impacto positivo, sobretudo no que diz respeito ao trabalho dos Ashaninka no reflorestamento com plantio e manejo de espécies comestíveis, que serviu de grande inspiração para Bepunu que deseja realizar algo semelhante em sua realidade. Ainda que as mulheres de cada família façam as suas roças, o povo Mẽbêngôkre é tradicionalmente caçador e coletor, os homens percorrem longas distâncias para caçar e coletar espécies que precisam no mato, com esse modo de vida, têm preservado uma área de mais de 10 milhões de hectares que corresponde a 6 Terras Indígenas do povo Mẽbêngôkre que estão em sua grande maioria preservadas, apesar das grandes pressões e ameaças que existem sobre elas. Veja o depoimento de Bepunu sobre a experiência:


Foto de Simone Giovine


"Foi uma viagem, um encontro e uma troca de conhecimento, de trabalho, de olhares, de língua e de trabalho. Nós fomos para poder ver os trabalhos e as atividades deles, pois eles plantam tudo o que comem, cuidam dos animais, plantam açaí, cupuaçú, pupunha, bacaba. Nós também temos que plantar no mato todas as coisas que gostamos de comer, todos os Mẽbêngôkre também podem fazer isso. E uma coisa muito boa e muito importante para nós indígenas é que nós podemos nos observar, fazer uma troca de olhar, observar um ao outro, aos outros parentes, aprendendo com o que estamos observando aqui podemos pensarem muitas coisas boas para fazer dentro da nossa terra indígena. Muito bom que a gente possa continuar a fazer esse intercâmbio, de troca de conhecimento, a troca de trabalho, escutar a nossa fala e a fala dos outros parentes. E também nós podemos falar juntos para não ter o desmatamento na terra indígena, não ter o garimpo, não ter o pescador e outras pessoas que estão invadindo para fazer o ilícito dentro da Terra Indígena. Para isso nós precisamos juntar todos os indígenas e com os Mẽbêngôkre também, porque todas nossas terras estão de alguma forma ameaçadas. Precisamos nos reunir para falar juntos sobre oque podemos fazer, desde como nós podemos plantar, reflorestar e ter soberania na alimentação da aldeia, a gente pode consumir a nossa alimentação da roça, junto com os homens e as mulheres, fora disso nós precisamos de buscar os alimentos que nós come dentro do mato, açaí, piquí, castanha, nós podemos fazer, reflorestar com essa alimentação. Também nós podemos plantar mais genipapo, que nós usamos para nos pintar para a festa. É uma troca de conhecimento com outros parentes que não conhecíam os Mẽbêngôkre e nós também não conhecíamos eles. Precisamos fazer bem isso através do intercâmbio. Precisamos de fazer mais intercâmbios entre nós Mẽbêngôkre, porque já fizemos vários intercâmbios com outros parentes,mas podemos fazer isso entre nós para relembrar o nosso costume nosso alimento, nossa fala, nossa dança. Para reforçar a nossa força junto com as mulheres e as crianças, precisamos reunir também os caciques para fazer o uso da nossa palavra juntos."


Foto de Simone Giovine


Os Ashaninka se autodenominam com essa palavra que significa "meus parentes", "minha gente"ou "meu povo"e são um povo arawak sub-andino que habita um vasto território desde a região do Alto Juruá e da margem direita do rio Envira, em terras brasileiras, até as vertentes da cordilheira andina no Peru. A história do povo Ashaninka demonstra sua presença na área da hoje conhecida como selva central peruana há mais de 5 mil anos, tendo guerreado e estabelecido relações comerciais e de troca cultural com os Incas. Resistiram bravamente à chegada dos colonizadores espanhóis e migraram para fugir da exploração da borracha no século XIX. No Brasil, nas décadas de 1970 e 1980 foram muito pressionados pela exploração madeireira, mas conquistaram a demarcação e homologação de seu território com uma área de 87mil hectares em 1992.



Embora pertencentes a povos inteiramente distintos, de diferentes troncos linguísticos (Arawak no caso dos Ashainka e Macro-Jê no caso dos Mebengokre) e habitantes de territórios distantes, os Ashaninka e os Mẽbêngôkre passaram a se reconhecer e admirar por ter aspectos da sua história semelhantes, sobretudo naquilo que diz respeito à sua bravura e resistência diante da colonização e seu empenho em fazer demarcar e proteger os seus territórios, assim como em sua gestão ambiental e territorial com protagonismo, autonomia e sustentabilidade. Ainda que isso tenha sido feito por cada povo a seu modo e em realidades diferentes tanto os Ashanika quanto os Mẽbêngôkre ao longo da história tem enfrentado bravamente a expansão colonizadora, seringueiros, madeireiros e diversas pressões extrativas em seus territórios tradicionais. Sobreviventes da exploração da borracha no século XIX, os Ashaninka e os Mẽbêngôkre conquistaram o reconhecimento e demarcação de seus amplos territórios de ocupação tradicional nas últimas décadas do século XX. No Século XXI, com seus territórios já demarcados, vivem esta experiência de troca de olhares sobre as suas estratégias para proteger e conservar a biodiversidade de seus territórios.