I e II Capacitação em Costura Kube Kà Kayry

O movimento organizado de mulheres Mẽbêngôkre reivindicou da Associação Floresta Protegida a realização de um projeto de costura voltado para as mulheres. Inspiradas por uma iniciativa realizada anteriormente na aldeia Kaprankrere, as mulheres que agora residem em Tekrejarotire pediram para que um projeto dessa mesma natureza fosse realizado em todas as aldeias associadas. Sendo assim, surgiu uma oportunidade a partir de uma parceria da Conservação Internacional (CI - Brasil) e a L'Orèal através do Fundo L'Orèal para Mulheres que lançaram um edital onde a Associação Floresta Protegida se inscreveu e conquistou a oportunidade de realizar o sonho de Tuire Kayapó e as demais mulheres.



Chamado "A costura como ferramenta de empoderamento e promoção da autonomia das mulheres indígenas Mẽbêngôkre" o projeto executado pela Associação Floresta Protegida contempla a construção de 33 casas de costura em 33 aldeias diferentes nas Terras Indígenas Kayapó, Mekragnotire e Las Casas. Além da capacitação e distribuição de equipamentos e insumos.


O projeto tem como objetivo formal fortalecer a autonomia econômica das mulheres Mẽbêngôkre por meio da produção de vestidos de uso tradicional, reduzindo a dependência da compra desses itens de uso cotidiano. Tem como eixos a soberania alimentar e a geração de renda. O projeto também constitui uma oportunidade para que as mulheres Mẽbêngôkre fortaleçam sua organização comunitária e política, assim como engrandecendo a crescente participação nas instâncias políticas de tomada de decisão e defesa de direitos. A partir da construção das casas de costura, se materializa para as mulheres de cada aldeia, um espaço produtivo e de aprendizado, para suas reuniões, para a organização das suas atividades, expandindo a cosmopolítica do povo Mẽbêngôkre e dando visibilidade para a criatividade em suas variadas formas, fortalecendo a representatividade e o protagonismo feminino Mẽbêngôkre.



Embora este seja o primeiro projeto a ser executado pela Associação Floresta Protegida que está voltado especificamente para as mulheres, e sua participação formal nos espaços decisórios e atividades da associação seja algo recente, sua presença de várias formas nunca esteve ausente, sendo que a Associação tem apoiado diversas atividades demandadas pelas mulheres, sobretudo de participação em eventos do movimento indígena de mulheres a nivel nacional. Já foram realizados o I Encontro de Mulheres da Associação Floresta Protegida - Menire Tyj na aldeia Tekrejarotire da TI Las Casas e o I Encontro de Mulheres Mẽbêngôkre e Panará na aldeia Piaraçú da TI Capoto Jarina.


As mulheres são donas das casas, da aldeia, das roças (plantam mandioca, batata-doce, bananas, milho) cuidam da realização cerimonial e cotidiana dos atributos de todos seus nomes, sua influência resulta nos processos de fabricação de pessoas, pintam as crianças e os maridos. Cuidam das crianças em vias de ser pessoas, das plantas, animais, tratam do processamento de alimentos, abastecimento de água e lenha. Mas essa forma de ser mulher Mẽbêngôkre também vem se transformado ao longo do tempo, sendo que nenhum povo nem grupo é estático ou a-histórico. 


O povo Mẽbêngôkre é de tradição cosmopolita e antropofágico e as mulheres sempre estiveram presentes influenciando e gerando efeitos na vida política da aldeia e suas relações interétnicas, resistindo junto aos homens na defesa da vida e do território. Atualmente também há mulheres morando na cidade, estudantes de diversas áreas, profissionais, ativistas, lideranças regionais, cacicas e esposas de caciques que vêm se destacando e marcado presença a nivel local, regional, nacional e internacional. Tudo isso faz parte do ser uma mulher idígena e Mẽbêngôkre. O nosso projeto reune todas essas mulheres para criarem e produzirem juntas seus vestidos tradicionais e mais o que sua rica imaginação puder conceber.



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Para materializar um espaço de fala e de criatividade para elas, o projeto teve como primeiro passo realizar um diagnóstico participativo com reuniões em todas as aldeias contempladas para pensar coletivamente como seria a construção das casas de costura, visando que seja um espaço que proporcione para elas também aprendizado, trabalho, reunião e organização comunitária. A maior parte das aldeias decidiram construir por si mesmas as suas casas de forma tradicional.



O nome dado à casa, kikreo, é o mesmo do lugar onde há um buraco onde estão os fornos redondos tradicionais onde se fazem o beraryby or, os pacotes de mandioca, farinha de milho com carne ou peixe, torrados em pedras aquecidas. Os fornos de terra são circulares, tal como as roças, as aldeias e os acampamentos temporários na floresta. A diagramação da aldeia pode ser entendida como uma pizza, com cada fatia vinculada a uma matricasa, que pode estar composta por muitas casas ou habitações. As famílias extensas habitam as matricasas, que é composta idealmente por: grupo de irmãs, filhas, netas, maridos e filhos. Nessa relação, o laço entre as mulheres é fundamental. Quando a família cresce outra habitação pode ser construída, mas existe um laço entre as mulheres das diferentes habitações que indica alguma unidade de pertencimento. O segmento residencial, local de nascimento é chamado rwỳdjàganizado de mulheres, envolve relações que vão além do menor núcleo familiar, por exemplo, devem receber carne dos caçadores dos grupos masculinos. O pertencimento a uma matri-casa é dado pela descendência uterina. As matri-casas são donas dos nomes e dos nekretj Mẽbêngôk, que são riquezas cerimoniais.



Tradicionalmente as mulheres são donas do anel de casas da aldeia, mas os homens são donos da casa do guerreiro - ngòbe - que fica geralmente no centro da aldeia. É como um parlamento onde a comunidade discute e decide seus assuntos. Pensar num paralelo desse espaço de uma casa de costura sendo voltada para a organização das mulheres é uma forma de fortalecê-las para além dos laços do parentesco, fortalecendo assim as mulheres a nível comunitário. 


As casas estão sendo equipadas com máquinas de costura, mobiliário e insumos de costura. Ainda, há iniciativas internas de criação de sinergias com outros projetos da associação, tais como o TAC, para atender as demais aldeias associadas inicialmente não-contempladas.


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O próximo passo e parte fundamental do projeto foi a I e II Capacitação em Costura Kube Kà Kayry, realizadas na aldeia Mojkarakô na TI Kayapó, a I entre os dias 12 a 16 de março e a II entre os dias 18 a 22 de março. A I etapa atendeu 13 menire de Kedjerekrãn, Mojkarakô, Ngôjamroti, Kenpoti, Mejkare, Pytore e Kakumre. A II etapa atendeu 17 menire das aldeias Ngômejti, Pykatykre, Pykakyti, Piyredjam, A'ukre, Krenhedjã, Ydjare, Pinkejtykre, Kranàt e Mojkarakô.



Com a mediação e tradução de Iremão Paiakan a direção de arte, moda e a capacitação ficou sob responsabilidade da equipe do Ateliê Nalimo (@oficialnalimo) Dayana Molina ( @molina.ela) e Gabrieli Lecoña ( @lecona_____ ), a iniciativa capacitou 30 mulheres de 17 aldeias do alto e baixo Riozinho a partir de um olhar pedagógico decolonial e numa proposta de valorizar a identidade indígena, assim como de diferentes perspectivas estéticas contra-hegemônicas.



Organizadas de forma colaborativa entre a equipe técnica e indígena da AFP, em articulação com a coordenação local da cacica Bekwyjnhô da aldeia Mejkàre, além das mulheres, caciques, lideranças e outros membros da comunidade de Mojkarakô, as Capacitações contaram com o serviço mecânico de Bepkraket Kayapó, o apoio logístico de Kubytpa Kayapó, Kajet Kayapó, Atydjare e Kri ô Kayapó. Na cozinha, as responsáveis foram Nak e Kayapó e Panhti Kayapó. Os barqueiros foram Beptoti Kayapó, Kanganti Kayapó, Bepcajgó Kayapó, Atydjare, Cacique Felipão, Bepunu Kayapó e Kadjyre Kayapó. Foram comprados alimentos tradicionais para dividir entre as alunas do curso. O espaço de trabalho durante as Capacitações foi pensado de forma acolhedora com mulheres de diferentes gerações, as mães ficaram à vontade para amamentar, e com a presença das crianças, que encontraram um espaço seguro para o lazer e ajudaram a pintar os vestidos com os que desfilaram nos últimos dias de encerramento das atividades. Cada oficina teve durante seu último dia uma atividade de encerramento, contando com uma apresentação cultural e desfile com os vestidos produzidos por cada uma das alunas durante o seu aprendizado.



Teve a cobertura midiática colaborativa os cineastas indígenas Mẽbêngôkre do Coletivo Beture Bepunu Kayapó ( @bepunumebengokre ), Beptemejti Kayapó ( @beptemexti1 ) e Nhakajkep Paiakan ( @nhakaykep_paiakan ), e a assessoria de comunicação de Daniela Pinheiro ( @daniela__pinheiro ) e da AFP. 


Cada Capacitação teve a duração de 5 dias, com uma carga horária de 40 horas, onde foram ensinadas técnicas de modelagem, corte, costura e estamparia botânico e pintura no tecido com grafismos, que já forma parte do patrimônio cultural das mulheres Mẽbêngôkre. A partir do design do vestido tradicional Mẽbêngôkre, foram criados uma série de vestidos pintados com grafismos e estampados com diferentes folhas encontradas na vegetação em volta da aldeia Mojkarakô. Uma série belíssima e muito potente de vestidos e bolsas foram produzidas pelas alunas, com auxílio das professoras que fizeram demonstrações de todas as fases da produção de cada peça, desde a modelagem, passando pelo corte e a costura na máquina.



As oficinas geraram um impacto muito positivo na vida dessas 30 mulheres, fora aquelas que se aproximaram para aprender e que também produziram algumas peças para elas e suas famílias. As menire se manifestaram muito felizes e gostaram bastante da oficina. Pediram para que sejam realizadas mais atividades e projetos como este, com a oportunidade de aprender procedimentos mais sofisticados, como acabamento com overlock. Querem costurar para si mesmas, sua família seus amigos e para vender suas criações.