Equipe da Bà: Aliança entre Tecnologia, Conhecimento e Saberes Ancestrais para Conservar a Floresta Mēbêngôkre

A aldeia Kamoktidjam, localizada nas margens do rio Xingu, na Terra Indígena Kayapó, foi o centro da temporada 2024 do projeto Equipe da Bà/Ba Kam Mē Bà Djwynh, um programa que alia o uso de tecnologia audiovisual e o conhecimento tradicional para fortalecer a conservação ambiental. Entre 25 de julho e 22 de agosto de 2024, mais de 40 Mẽbêngôkre de 13 aldeias participaram ativamente de uma jornada que combinou andanças no mato com o aprendizado de tecnologias audiovisuais de monitoramento, como o uso de câmeras de trilha, fotografia de natureza e drones, com o saber ancestral transmitido pelos anciãos (mebengêt).


 

A iniciativa promove a geração de renda para a comunidade numa iniciativa de Ecoturismo Intercultural desenvolvido este ano simultâneamente na Pousada Xingu, local gerido pelos parceiros da @xingulodge, com 10 visitantes de diferentes países no âmbito do Programa de Ecoturismo Intercultural, entre eles instrutores de educação internacional e, fotógrafos de natureza especializados em observação de pássaros e pesquisadores da biologia. O programa se destaca como um modelo de conservação que reconhece a conexão entre o conhecimento indígena e a ciência, promovendo um impacto socioambiental significativo.


 

::: Um Projeto de Conservação e uma Jornada de Conhecimento :::


O Programa é uma iniciativa conjunta da comunidade das treze aldeias do Xingu na TI Kayapó, com o Kayapó Project, o ICFC - International Conservation Fund of Canada e da Associação Floresta Protegida, sob a coordenação da cientista conservacionista Natalie Knowles. A temporada 2024 do projeto Equipe da Bà foi cuidadosamente estruturada para oferecer uma imersão profunda no conhecimento sobre a biodiversidade do território Mẽbêngôkre, nas redondezas da aldeia Kamoktidjam. Mais de 40 membros das comunidades Pykãrãrakre, Kawatire, Kakore, Kruwanhongo, Kawatire, Kokotkrere, Kamure, Kri-nhô-ere, Pokrô, Madjyre, Kokrajmôro e Kamoktidjam, aldeias do Xingu, participaram da atividade. Através de atividades que envolveram jovens e anciãos em andanças pela floresta, a iniciativa promoveu uma rica jornada de aprendizado, reforçando o compromisso com a conservação da Amazônia e a proteção de seus recursos naturais.

 

As atividades foram divididas em dois eixos principais: as andanças matinais na floresta, onde os participantes percorreram trilhas, identificaram espécies e instalaram câmeras de trilha de monitoramento, e as oficinas vespertinas, focadas no manuseio de tecnologias e na confecção de artesanatos tradicionais. À noite, as atividades incluíram a revisão das imagens capturadas, sessões de cinema Mẽbêngôkre e histórias contadas pelos anciãos.

 


Essas atividades proporcionaram um aprendizado técnico aos jovens reforçando a conexão entre as diferentes gerações. Sob a orientação dos mebengêt (os mais velhos), os jovens puderam aprender sobre plantas medicinais, remédios, pegadas de animais e lugares de importância cultural, enquanto utilizavam tecnologias para documentar e monitorar a biodiversidade. "Primeira vez que eu trabalho aqui. Trabalhar aqui é bom para os jovens, pois aqueles que trabalharem no projeto podem aprender a usar tecnologia, drone. Por isso que cada aldeia tem mebengêt, que pode ensinar os nomes das árvores, remédios e coisas da mata. O jovens podem acompanhar os mebengêt na mata e com isso não vão se esquecer. Mejdjwyj (uma gíria que se refere a algo verdadeiramente bom, belo e correto)". Essa combinação de saberes é crucial para a preservação da floresta, que se configura como um dos últimos refúgios para inúmeras espécies de fauna e flora, muitas delas endêmicas e ameaçadas de extinção.

 

Um dos destaques da temporada foi a oportunidade oferecida aos jovens Mẽbêngôkre de atuar como guias para os ecoturistas que visitaram a Pousada Xingu no âmbito do programa de Ecoturismo Intercultural, outra parceria do Kayapó Project com a Associação Floresta Protegida. Essa experiência capacitou os participantes para futuras iniciativas de turismo, fornecendo insights valiosos sobre como aprimorar os projetos de ecoturismo na região. Ao conduzir os visitantes pela floresta, os jovens se beneficiaram de uma rica troca de conhecimentos. Um dos ecoturistas, fotógrafo profissional, ofereceu uma oficina sobre câmeras de furo de pino, enquanto uma bióloga compartilhou informações detalhadas sobre as trilhas de animais. Essa interação fortaleceu a ponte entre o conhecimento tradicional e as tecnologias de conservação.

 

A dinâmica dos grupos, compostos por participantes de diferentes aldeias, também promoveu a solidariedade e a colaboração entre as comunidades, fortalecendo os laços culturais e sociais. Ao utilizar as novas tecnologias, como câmeras de trilha, os jovens tiveram a oportunidade de aprender e recordar histórias e conhecimentos transmitidos pelos mebengêt (velhos), garantindo que o saber ancestral continue a ser preservado e valorizado.


::: A Floresta como Espaço de Aprendizado e Resistência :::



O bloco de Terras Indígenas do povo Mēbêngôkre, com mais de 10,6 milhões de hectares, é um dos maiores blocos de terras contínuas de floresta tropical na Amazônia Oriental.  Situada no chamado "Arco do Desmatamento", mais precisamente no corredor da sociobiodiversidade do Xingu, uma região crítica na Amazônia, essa área enfrenta pressões constantes de desmatamento devido à expansão agrícola, mineração ilegal e extração de madeira. No entanto, graças à presença dos Mēbêngôkre e outros povos indígenas e populações tradicionais na bacia e ao controle territorial exercido por essas comunidades, essa área permanece em grande parte intacta, desempenhando um papel fundamental na regulação do clima e na manutenção da biodiversidade, albergando biomas de transição entre cerrado e floresta amazônica, além de uma importante variedade de espécies endêmicas.

 

O projeto Equipe da Bà emerge como uma resposta a essas ameaças, combinando tecnologia e conhecimento tradicional para proteger a floresta. O uso de câmeras de trilha e drones, orientado pelo saber dos anciãos, permite uma vigilância eficaz e direcionada, que não apenas protege o território, mas também gera dados científicos de valor inestimável. Essas informações são compartilhadas com pesquisadores e conservacionistas, contribuindo para a ciência global e fortalecendo as estratégias de conservação.

 


O projeto demonstra que a união entre tecnologia e tradição pode ser uma força poderosa na luta pela preservação ambiental e cultural. Ao capacitar as novas gerações Mẽbêngôkre para proteger sua terra, o projeto não só garante a continuidade do conhecimento ancestral, mas também fortalece a identidade cultural das comunidades envolvidas. A importância ecológica desse bloco de terras de 10,6 milhões de hectares vai além da preservação de espécies; localizado na bacia do Xingu, ele desempenha um papel crucial na regulação climática e na manutenção dos ciclos hídricos da Amazônia.

 

A construção de um currículo estruturado para o projeto Equipe da Bà é fundamental para garantir a continuidade e a eficácia dessa iniciativa. Muitos Mẽbêngôkre possuem ideias valiosas sobre como o programa pode ser usado para preservar e transmitir o conhecimento da floresta. Ao incluir essas vozes e experiências na criação de um currículo, o projeto respeita as prioridades e valores da comunidade, mas também assegura que os saberes considerados mais importantes pelos próprios Mẽbêngôkre sejam perpetuados.

 

O sucesso do projeto Equipe da Bà reafirma que a tradição e a inovação não são forças opostas, mas sim complementares, e que a resistência cultural continua sendo uma força vital na luta pela conservação ambiental e a sobrevivência e dignidade dos povos indígenas. Com o fortalecimento dessas práticas, a Equipe da Bà tem o potencial de se tornar um modelo para outras comunidades indígenas enfrentando desafios semelhantes, promovendo um futuro em que a cultura, o conhecimento e a natureza possam prosperar juntas.