O cacique Raoni Metyktire, representando os povos originários no Brasil, numa das cenas mais impactantes e belas da história recente, subiu a rampa do Palácio do Planalto junto ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse sendo ovacionado por uma multidão de mais de 300 mil pessoas, sendo conduzido e recebendo a faixa por representantes da diversidade do povo brasileiro, rompendo o protocolo e ritualizando esse momento simbólico em que o próprio povo legitima a posse de seu novo presidente. Antes de deixar Brasília, Raoni falou sobre sua participação na posse e seu pedido ao presidente para demarcar a Terra Indígena onde ele nasceu.
No dia 1 de janeiro de 2023 a Esplanada dos Ministérios acolheu o festejo e a saudação por uma página virada de um período sombrio da nossa história que agora promete mudar com a chegada de um governo democrático, comprometido com a justiça social e com os direitos dos povos indígenas. A multidão presente expressou a diversidade do povo brasileiro e seu desejo de consolidar a democracia novamente. Entre eles esteve presente uma delegação de oito caciques e lideranças membros da Associação Floresta Protegida.
Foto: Kubekokre / Coletivo Beture
Paz. Entre os brasileiros e entre os indígenas e não-indígenas. Era nisso que o cacique Raoni Metuktire pensava enquanto olhava e acenava para a multidão no alto da rampa do Palácio do Planalto, ao lado do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de posse. “Naquele momento eu fiquei pensando que a presença dele (Lula) ali significava que precisamos ficar em paz. Eu estava representando os indígenas e ele os brancos. Precisamos de paz”, disse o cacique, que é a liderança mais conhecida do povo Mebêngôkré Kayapó, que vive num bloco de terras contínuas no norte do Mato Grosso e no sul do Pará. Representando os mais de 300 povos indígenas do país, ele não hesitou quando convidado pelo presidente eleito, no dia 30 de dezembro, a subir a rampa com ele. O chefe Kayapó foi um dos convidados para representar o povo brasileiro na posse do Presidente e lhe entregar a faixa presidencial. “Ele disse sim, nem pensou,” conta o neto Patxon Metuktire, que o acompanhava. Raoni passou por uma cirurgia de coração para colocação de um marca-passo há menos de quatro meses e, apesar de sua idade não ser conhecida, o amigo e sertanista Sydney Possuelo, de 82 anos, calcula que ele seja alguns anos mais velho do que ele próprio e tenha por volta de 84 ou 85 anos.
“Fiquei um pouco preocupado, fiz muitas recomendações à moça que o acompanhava, mas aí ele e o Lula se deram as mãos e ele subiu, firme,” lembra Patxon. Já Raoni ressalta que nunca foi convidado por um Presidente da República para nada parecido. E o que se passava na cabeça de Raoni quando estava lá em cima, acenando para a multidão na Praça dos Três Poderes? “Acenei para o povo e eles responderam. Acho que a gente está conseguindo vencer um tempo de conflito, todos querem paz,” responde.
O presidente em seu primeiro discurso falou de seu compromisso de combater a miséria provocada pelo último governo e todas as formas de desigualdade, assim como de estabelecer uma política pública sólida na área ambiental e no enfrentamento das mudanças climáticas, contemplando a necessária reparação histórica, respeito e proteção dos territórios indígenas e seus modos de vida.
A presença do cacique Raoni é para reafirmar a expectativa dos povos originários diante do novo governo com esse compromisso feito, que começou a se materializar com a nomeação da Joênia Wapichana como nova Presidente da Funai, que ganhou novo nome por decreto e agora se chama Fundação dos Povos Indígenas, que por sua vez se compromete em empenhar-se com boa parte das demarcações de Terras Indígenas logo nos 100 primeiros dias de governo. As primeiras a serem demarcadas que estão com a documentação pronta para homologação são 13: Aldeia Velha (Pataxó - BA), Kariri-Xocó (Kariri-xocó - AL), Potiguara de Monte-Mor (Potiguara - PB), Xukuru-Kariri (AL), Tremembé de Barra do Mundaú (Tremembé - CE), Morro dos Cavalos (Guarani - SC), Rio dos Índios (Kaingang - RS), Toldo Imbu (Kaingang - SC), Cacique Fontoura (Karajá - MT), Arara do Rio Amônia (Arara - AC), Rio Gregório (Katukina - AC), Uneiuxi (Maku e Tukano - AM, Acapuri de Cima (Kokama - AM). A Funai foi retomada na manhã do dia 2 de janeiro por um grupo de indígenas, indigenistas e aliados para ritualizar a posse da presidente Joênia Wapichana e celebrar a nova era de reconstrução da política indigenista.
Foto: Leo Otero
O povo Mẽbêngôkre deseja que entre elas esteja a demarcação da Terra Indígena Kapôt Nhinore, localizada no Mato Grosso e território ancestral do Cacique Raoni, que também aguarda homologação e a conclusão de seu estudo fundiário. Ropni conta que defende os povos indígenas há muito tempo. O cacique esteve à frente de todas as grandes lutas dos últimos 50 anos. Da demarcação e garantia dos territórios à Constituinte, Enfrentou e expulsou garimpeiros e invasores para demarcar os territórios. Viajou pelo mundo para denunciar abusos contra os indígenas e captar recursos para demarcar Terras Indígenas. Nos últimos quatro anos, mesmo tendo ficado viúvo e tido Covid, continuou a usar sua voz e a viajar para chamar atenção para invasões e cooptação de indígenas. E foi o anfitrião em 2020 de uma grande reunião que reuniu vários povos na aldeia Piaraçu, no norte do Mato Grosso.
Mas Raoni ainda não conseguiu que a Terra Indígena Kapôt Nhinore, onde ele nasceu. O pedido foi feito ao presidente Lula, que concordou: “Espero que a demarcação termine no ano que vem. Eu mesmo quero trazer a documentação aqui para ele assinar a homologação.”
Foto: Leo Otero
“Quero me aproximar mais do Presidente Lula para ajudar. Eu vejo que existem indígenas que deixam os brancos entrarem nas terras para garimpar e para retirar madeira. E os brancos que entram são os que trazem violência. Lula prometeu tirar os kuben (não-indígenas) dos territórios. Ele entrou (na chefia do governo) para isso, prá gente não ter mais problemas.
A primeira ministra a tomar posse no novo governo foi a Sônia Guajajara, que irá chefiar o recém criado Ministério dos Povos Originários, que será composto por 3 secretarias: 1) Secretaria de Direitos Ambientais e Territórios Indígenas, 2) Secretaria de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, e 3) Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas. E 7 departamentos: 1) Departamento de Demarcação Territorial, 2) Departamento de Proteção aos Povos Isolados, 3) Departamento de Gestão Territorial e Bem Viver, 4) Departamento de Justiça Climática, 5) Departamento de Promoção de Direitos Indígenas, 6) Departamento de Línguas e Memórias, e 7) Departamento de Mediação de Conflitos.
Nesta segunda-feira, dia seguinte da posse, ele participou de uma cerimônia na Funai e chamou Sônia Guajajara, agora Ministra dos Povos Indígenas, de filha. Joênia Wapichana, confirmada como Presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas e foi quem o convidou a vir à Brasília para a posse, foi chamada carinhosamente de sobrinha. “Pessoalmente estou muito contente com as indicações. Já defendia a participação de indígenas no governo.” Raoni espera que isso se reflita em segurança e garantias para “os indígenas lá nas aldeias”.
Foto: Leo Otero
No âmbito internacional, o Brasil é visto agora com bons olhos e a Alemanha anunciou a liberação de recurso no valor de 35 milhões de euros que serão usados pelas instituições nacionais responsáveis pelo combate ao desmatamento para preservação ambiental no país, entre elas o novo Ministério do Meio Ambiente e da Justiça Climática, encabeçado novamente por Marina Silva, que também ficou responsável sob despacho pela reestruturação do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente).
Como resultado da pressão feita pelo movimento indígena articulado a nível nacional, regional e local foi publicada uma série de decretos que protegem os direitos dos povos indígenas e estabelecem a estrutura das instituições de modo a conferir uma atuação transversal na questão ambiental e das mudanças climáticas.
Foi assinado um decreto que restabelece as instâncias de controle do Fundo Amazônia, maior programa de apoio à proteção das florestas, que estava bloqueado devido à falta de compromisso do antigo governo Bolsonaro com a redução do desmatamento. Os valores que estavam bloqueados foram destravados e foram anunciados novos repasses. Também foi revogado o desastroso decreto do Bolsonaro que promovia o garimpo ilegal, inclusive em Terras Indígenas.
Foto: Kubekakre Kayapó Coletivo Beture
O Brasil entrou numa nova fase histórica, onde está sendo mais reconhecida a luta dos povos indígenas pelo direito de existir, de manter a cultura viva e os territórios tradicionais. O povo Mẽbêngôkre quer ver suas diferenças sendo respeitadas e valorizadas. E uma sinalização importante de que as políticas de assimilação serão abandonadas e voltaremos a valorizar a sociodiversidade que faz nosso país único e riquíssimo. As três grandes organizações Mẽbêngôkre (IR, KABU, Instituto Paiakan, AFP) que atuam no norte do Mato Grosso e no sul do Pará para garantir água limpa, floresta em pé e a sobrevivência de uma cultura milenar, estiveram juntas com todos os povos indígenas do Brasil na resistência e desejam sucesso ao novo governo que começa reconhecendo nossa importância na construção de um Brasil inclusivo e justo.