Atualização do PGTA da TI Kayapó

A PNGATI é a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, firmada pelo Decreto 7.747, de 5 de julho de 2012, foi construída coletivamente, com a participação de mais de 1.250 representantes indígenas de 186 povos diferentes, articulados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB e escolhidos por suas organizações de base. Uma política pública de modo geral é uma ação realizada pelo Estado para atender as necessidades da população, reduzir desigualdades e efetivar direitos, mas também pode ser colocada em prática em parceria entre o Estado , organizações da sociedade civil e empresas. É o caso da PNGATI, que se propõe garantir e fortalecer a autonomia, o protagonismo e a participação qualificada dos povos indígenas e suas organizações na gestão das suas terras e na governança desta política com respeito às especificidades socioculturais e dinâmica territorial dos povos. Além disso, o PNGATI também objetiva adequar as políticas públicas voltadas para as populações indígenas, por muitas vezes não acessadas, de modo que viabilize as já existentes e possibilite a reflexão de novas a partir do conhecimento local e interesse nacional.


O objetivo da PNGATI é "Garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural, nos termos da legislação vigente." Sendo assim, 

a Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas tem sido usada por diversas iniciativas executadas por diferentes instituições do Estado, sobretudo a Fundação Nacional do Índio FUNAI, e diversas organizações indigenistas e indígenas. 


Contudo, é sabido que desde os tempos antigos os povos indígenas fazem a gestão de suas terras com suas próprias estratégias e sistemas de conhecimento.  Cada povo indígena tem a sua própria maneira de constituir o seu território de acordo com suas escolhas, cultura e tradições . Sempre fizeram sua gestão, que foi aprimorada ao longo do tempo.  Com isso, seu espaço é ressignificado e são estabelecidas formas de uso dos recursos naturais e de controle de seus territórios tradicionais.  Com o manejo de seus territórios e recursos naturais estes povos têm garantido para si o seu sustento e a reprodução de sua cultura material, além do comércio e suas relações interétnicas. Ainda, hoje é preciso efetivar direitos e é preciso estabelecer uma política pública que seja uma oportunidade de diálogo e cooperação entorno de um objetivo comum de gestão sustentável e para enfrentar seus desafios e adversidades.


Cerca de 13% do território nacional é composto de Terras Indígenas, observadas através de imagens de satélite é possível notar que são as mais conservadas que há, ainda que gravemente ameaçadas pela expansão da fronteira econômica e o desmatamento. Sendo assim, esta política e seus instrumentos procuram reconhecer e valorizar os conhecimentos indígenas relacionados com a conservação da biodiversidade assim como promover o uso sustentável dos recursos naturais em parceria com o conhecimento dos não-indígenas, considerando o apoio a produção e às atividades econômicas e à garantia do usufruto exclusivo dos recursos naturais. As mudanças vivenciadas pelos povos indígenas em virtude das transformações geopolíticas e territoriais que impactam seus territórios exigem novas formas e estratégias para pensar o futuro e a sustentabilidade. 


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OS EIXOS TEMÁTICOS DA PNGATI E SUA RESPECTIVA TRADUÇAO EM MEBENGOKRE

1 - Proteção territorial e dos recursos naturais; Bà kam mỳja ´ãno am kadjy.

2 - Governança e participação indígena;  Mỳj dja mẽ krãmti abẽn kôt arẽj.

3 - Áreas protegidas, unidades de conservação e terras indígenas;  Bà kapry nẽ umari mej.

4 - Prevenção e recuperação de danos ambientais;  Bà kre nẽ ajte umari mej/ bà punu

5 - Uso sustentável de recursos naturais e iniciativas produtivas indígenas; Bamĩ kôt kangõj

6 - Propriedade intelectual e patrimônio genético;

Mẽbêngôkre kukràdjà rã´ã / mẽ kute ´ĩ kôt mỳja mari

7 - Capacitação, formação, intercâmbio e educação. Gwaj baje amĩm mari kadjy



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O Plano de Gestão Territorial e Ambiental é o principal instrumento de gestão e implementação da PNGATI. Os PGTAs devem ser elaborados pelos povos indígenas através de suas instituições representativas ou organizações apoiadoras, são instrumentos de diálogo intercultural e planejamento de caráter dinâmico, elaborados coletivamente, com o objetivo de valorizar o patrimônio material e imaterial indígena, permitindo a construção de estratégias, ações e projetos de interesse das comunidades indígenas. No mesmo sentido, também visa a recuperação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais, assegurando a melhoria da qualidade de vida e as condições de reprodução física e cultural dos povos indígenas para as atuais e futuras gerações. Estes planos são instrumentos de diálogo intercultural e devem expressar a autonomia, o protagonismo e a autodeterminação dos povos na negociação e na realização de acordos internos.


A PNGATI se propõe reconhecer práticas de gestão ambiental e territorial que já estejam sendo realizadas por povos indígenas e suas organizações de base, sendo assim, a Associação Floresta Protegida junto às lideranças das comunidades representativas, elaboraram um PGTA provisório a partir da experiência e conhecimento adquirido através da atuação de mais de  20 anos de diversas experiências de gestão ambiental e territorial para servir de base para as atividades de atualização do Plano de Gestão Ambiental e Territorial (PGTA) da Terra Indígena Kayapó. Para esse processo está sendo elaborada uma pesquisa participativa juntamente com os Agentes Ambientais Indígenas para levantar informações e elaborar um diagnóstico a respeito dos temas: território, saúde, educação, infraestrutura das aldeias, cultura, agricultura, caça, pesca e coleta. No planejamento de três anos de trabalho estão previstos três módulos, compostos por uma fase de dispersão e uma assembleia para cada um dos módulos: 1)Território, 2) Economia e Cultura, e 3) Saúde e Educação.


Agentes Ambientais Indígenas e Cacique Kryt em Aukre


Componente fundamental do processo de construção do PGTA da TI Kayapó, a Formação de Agentes Ambientais Indígenas ocorreu no âmbito do componente 1 (Território) do projeto Território, Cultura e Autonomia Mẽbêngôkre, com apoio financeiro do Fundo Amazônia por meio do Contrato de Concessão de Colaboração Financeira Não Reembolsável n.º 17.2.0677.1. O objetivo geral do primeiro módulo de formação dos Agentes ambientais Indígenas é favorecer a qualificação e instrumentalização dos Agentes Ambientais Indígenas por meio do estímulo à pesquisa e reflexão sobre suas próprias realidades sociais, culturais, econômicas e territoriais, de modo que possam contribuir com a gestão do seu território diante dos novos desafios e transformações que se apresentam. 


Já os objetivos específicos da formação visam propiciar aos mebengokre: a) Maior compreensão sobre o contexto ambiental e político em que estão inseridos; b) Contato com boas referências e instrumentos de gestão e proteção territorial disponíveis; c) Subsídios para que realizem atividades junto a suas comunidades, avaliando e documentando as transformações que estão vivenciando; e d) Contato com ferramentas diagnósticas para a coleta de informações que contribuam para o processo de atualização do PGTA da TI Kayapó, incluindo questionários e etnomapeamento. 

O primeiro módulo do Curso de Formação de Agentes Ambientais Indígenas foi realizado na aldeia Môjkàràkô, localizada na margem ocidental do Riozinho, na Terra Indígena Kayapó (TIK), no sul do estado do Pará, entre os dias 17 e 21/06/2019. A atividade realizada abrangeu as aldeias representadas pela Associação Floresta Protegida das Terras Indígenas Kayapó, Mẽnkrãgnõti e Las Casas. 35 representantes das seguintes aldeias participaram da atividade: Kubenkrãkej, Kedjerekrãn, Pinkeitykre, Aukre, Moikarakô, Ngôjamroti, Kakumre Pykakyti, Ngôméiti, Piyredjam, Kranat,  Kokraimoro, Krin Nhõ Êre, Rikaró, Kawatire, Krwanhõngô, Pykararankre, Kamok tidjam, Tepdjàti, Kremaiti, Karema, KaprãnKrẽre, Ronekôre e Tekrejarôtire. 


A cobertura audiovisual do evento foi realizada por Bepunu Kayapó e Pàt-i Kayapó, cineastas Mẽbêngôkre do Coletivo Beture. Também contou com a participação de Kapranpoi Kayapó e do cacique Paulo Tàkàkrot, homens mais velhos da TI Las Casas que tinham participado da elaboração do seu PGTA e foram compartilhar o seu conhecimento. A presença deles tinha como objetivo compartilhar sua experiência no assunto e auxiliar os mais jovens. Sobressaiu durante o curso o papel que exerceram como referências dos jovens alunos, não só devido ao seu conhecimento prévio específico sobre o tema, mas pelo fato, muito importante na lógica mẽbêngôkre de transmissão de conhecimentos, de serem mais velhos (

mẽbêngêt ou mẽkrare). 


“Kubẽ trabalha com papel, faz pesquisa durante muito tempo até acabar. Nós fazemos com as nossas ideias. Temos que pensar e também fazer pesquisa para entendermos como vamos proteger a nossa terra, para fazer o diagnóstico. Temos que conversar com as anciãs, com os anciãos, conhecer os lugares no rio. Nossos parentes de Las Casas já fizeram, colocaram muita coisa importante no PGTA deles. Vocês enquanto pesquisadores têm que fazer os diagnósticos para podermos produzir esse documento que é muito importante” Bepunu Kayapó.


Estava também presente Paulinho Paiakan. Sua função era compartilhar seus conhecimentos e experiência em temas caros ao curso, como a demarcação da Terra Indígena Kayapó e a Assembleia Constituinte de 1988 que garantiu os direitos dos povos indígenas na Constituição Federal. Além disso, por sua idade e trajetória, é considerado um grande conhecedor da cultura e história mẽbêngôkre. Dirigindo-se aos estudantes, disse o seguinte: 


"Eu quero colocar os nomes dos lugares no papel, quero que tudo esteja no mapa. A Associação Floresta Protegida já há bastante tempo vem oferecendo cursos sobre diversos temas, mas os Mẽbêngôkre ainda não conseguiram virar “profissionais” nesses assuntos.  É importante que vocês aprendam para que possam dizer, quando forem mostrar o trabalho de vocês, que vocês mesmos se ajudaram e fizeram isso, que não dependeram do governo ou dos

kubẽ. Muitas terras aqui já foram invadidas. Na nossa tradição, há os mẽngrerenhõdjwỳj [os “donos dos cantos”, os conhecedores dos cantos]. Eles sabem os cantos e nossas tradições. Eles são os líderes em qualquer festa que fazemos. As pessoas cantam e dançam seguindo os mẽngrerenhõdjwỳj, sem eles não há festa. Não é qualquer pessoa que pode liderar uma festa. Da mesma forma vocês tem que se especializar nesses assuntos e liderar ascomunidades de vocês para proteger o território. (...)


         Primeiro estamos aprendendo sobre nosso território, sobre a confecção de mapas. Para fazermos mapas com os nomes dos lugares da nossa terra que estamos aqui. No futuro, algum kubẽ, algum governante, alguma empresa vão querer entrar na nossa terra e vamos falar que essa terra é nossa. Vamos falar pra eles: “Aqui está meu mapa, onde está o seu?”. Mas o que eles vão mostrar? Eles não têm mapa com os nomes dos lugares, porque quem conhece aqui, quem sabe os nomes somos nós. Vocês irão até os mais velhos e pedirão que lhes contem sobre os lugares, os nomes, onde celebraram festas, onde fizeram guerras, onde fizeram aldeias, porque saíram de um lugar e fizeram aldeia. Vocês vão perguntar aos seus avós onde nasceram, onde cresceram, por onde andaram. [...] Nossos antepassados viviam no cerrado. Os brancos foram nos empurrando e hoje vivemos na floresta. Isso vocês também vão colocar no trabalho de vocês, a partir do que escutarem dos seus avôs e avós."


Durante a etapa dispersiva, para o processo de preenchimento de questionários e desenho de mapas para elaboração do diagnóstico, uma equipe de consultores se reuniu com os agentes ambientais indígenas nas aldeias dos rios Iriri, Xingu e Riozinho para rever os conteúdos vistos durante o curso de formação dos agentes ambientais indígenas e construir coletivamente o formato dos questionários que os agentes ambientais indígenas posteriormente irão fazer os respectivos levantamentos em suas aldeias. Durante o momento de avaliação da atividade, Axuapé lembrou da história mẽbêngôkre sobre a queda do céu, um perigo iminente se o processo de desmatamento continuar sendo intensificado: 


“Algumas pessoas vivem do dinheiro, sabem muito das coisas, mas não explicam nada para a gente. Mas nós vivemos de outras coisas. O sol nos dá vida, o mato nos dá vida, a água nos dá vida e a terra nos dá vida. Por isso as recém gestantes não podem sair de casa durante um eclipse, assim é na nossa cultura. Por isso que algumas pessoas fazem projetos para que possamos cuidar da nossa terra e das nossas florestas. Os não indígenas e os indígenas dependem disso. É importante que façamos esse trabalho [o PGTA] para as pessoas verem que estamos fazendo isso. Temos que fazer os mapas, aqui na nossa terra todo lugar tem um nome. Temos que colocar todos no papel. Os estrangeiros também vão gostar, para continuarem respirando e vivendo bem, não é só para nós. Na nossa tradição, também pensamos assim. Se as pessoas fizerem as coisas erradas, o céu vai desabar sobre nós, vai acabar a floresta, os rios e não sobreviveremos. O sol vai esquentar muito, e todo mundo acaba. Essa é a história do Kàjkwa kraj ‘yry [“a quebra do começo do céu”, o leste, que sustenta o céu]. Os cientistas sabem disso, temos que ouvir eles e também ouvir os nossos anciãos, que sabem dessa história. Se soubermos disso faremos as coisas do jeito certo.”

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